Negativos



Negativos

          Ia escrever mais uma história de amor baseada em fatos reais.  Pensei em botar no papel a lembrança de umas cartinhas de amor que trocava quando era garoto com uma menina cheirosa demais. Ou então da engraçada história de uma chácara do interior que tinha uma "passagem secreta" que permitia que eu e meus amigos pegássemos o gelinho/sacolé (chame como quiser) antes da hora da do almoço, entrando escondidos na cozinha sem passar pela sala. Mas achei que eram histórias bobas. Decidi fazer algo diferente.

          Perambulava pelas ruas da cidade e vi um moço que ia jogar uns negativos de foto no lixo. Quase pulei nele para impedir que ele jogasse. E ele jogou. "Amigo, por que você fez isso?" perguntei. O moço disse que era "lixo". Estava jogando fora negativos de fotos que foram reveladas, mas o dono nunca fora buscar nem as fotos (talvez já descartadas faz tempo) nem os negativos. Argumentei que ele estava jogando fora recordações, quiçá boas histórias. "Verdade..." Disse ele, puxando do lixo um negativo. "Hoje em dia tiramos selfies e logo em seguida, se nosso cabelo não está bom, apagamos..."Sorte dos carecas!" disse eu, em tom de brincadeira. Demos risada e vimos que naquele negativo um casal estava se abraçando...

          A mulher tinha um cabelo longo, e provavelmente preto, afinal, lá no negativo estava branco. O moço que a abraçava provavelmente também era moreno. Arrisquei dizer que eram jovens e não eram casados. A moça parecia estar quase se jogando nos seus braços, talvez surpreendendo-o com tamanha paixão. Ou então era um abraço de despedida...

          Despedi-me do rapaz, que com certeza iria passar o resto do dia sendo refrescado por um ventiladorzinho xing ling em meio o calor de 32 graus, tirando fotos 3x4 para várias pessoas, uma mais estranha que a outra e sendo obrigado a dizer que estão parecendo algum ator famoso. Cheguei em casa e deitei no sofá. Fechei os olhos e comecei a imaginar o "depois" melancólico daquela despedida. Daria um poema.



Solitude dos negativos

Que dias monótonos...
Que dias monocromáticos...
Que dias nada aromáticos.

Nessa manhã duma cidade cinza e esquálida
Afundo-me nesta poltrona inválida.
Tento reviver cada momento alucinante
Mas essa solitude é lancinante...
Mas essa coisa invisível que no peito pesa...

Faz tempo...
Faz tempo que meu peito não enche de ar completamente
O chão não é mais meu leito das andanças
E eu não olho mais para o céu com esperanças...
Talvez com esperança de que vá chover,
Afim de disfarçar as lágrimas presas na alma.

Minha alma é uma desesperadora lambança.
A felicidade não é mais do que uma falsa lembrança
E o meu coração há muitos anos está de mudança...


          Resolvi deixar estes versos fazendo companhia aos negativos. Talvez pudessem servir algum dia de epitáfio ao rapaz, ou à moça. Por via das dúvidas, compartilhei com os vermes, para que estes declamassem no ouvido de vários que também se separaram.

Alexandre Mendonça





















Comentários

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